"A coisa mais linda que podemos experimentar é o mistério. É a fonte de toda arte e toda ciência"
O desconhecido pode despertar medo ou insegurança, mas também devemos vê-lo do lado positivo: é a oportunidade de conhecer aspectos do universo que ampliará nossa perspectiva.
A Astronomia é a mais antiga das ciências. O homem primitivo se interessou em observar os fenômenos que ocorriam à sua volta, bem como, tentar compreendê-los. Não só o deslocamento do Sol em relação ao horizonte, e sua relação com claridade e escuridão, e as fases da Lua, foram fenômenos notados pelos homens pré-históricos. Descobertas arqueológicas têm fornecido evidências de observações astronômicas entre os povos pré-históricos. Para muitos povos antigos, os astros eram deuses ou símbolos das divindades. Atribuíram-lhes então influências sobre a vida na Terra, dando origem a seitas religiosas e ainda à Astrologia. Desde a antiguidade, o homem percebeu que podia se utilizar das estrelas para orientar-se em suas viagens, e com a regularidade de ocorrências de vários fenômenos celestes lhe permitia marcar a passagem do tempo. Desde então, o céu vem sendo usado como mapa, calendário e relógio. Os registros astronômicos mais antigos datam de aproximadamente 3000 a.C. e se devem aos chineses, babilônios, assírios e egípcios. Naquela época, os astros eram estudados com objetivos práticos, como medir a passagem do tempo (fazer calendários) para prever a melhor época para o plantio e a colheita, ou com objetivos mais relacionados à astrologia, como fazer previsões do futuro, já que acreditavam que os deuses do céu tinham o poder da colheita, da chuva e mesmo da vida. A partir da necessidade e também da curiosidade intelectual, origina-se uma nova ciência: a Astronomia, cujo objetivo é a observação dos astros, seus movimentos, além de estudos e teorias sobre a origem e evolução. A Astronomia Pré-Histórica Os conhecimentos disponíveis sobre a Astronomia pré-histórica são relativamente escassos. As mais antigas fontes datam de aproximadamente 50.000 anos atrás. Existem gravações feitas em pedras, que representam agrupamentos estelares como as Plêiades e as constelações da Ursa maior e Ursa Menor, entre outras. Em várias regiões da Europa são encontrados megalitos, menires e vários outros conjuntos de rochas. Estudando os sítios megalíticos, tais como os de Callanish, na Escócia, o círculo de Stonehenge, na Inglaterra, que data de 2500 a 1700 a.C., e os alinhamentos de Carnac, na Bretanha, os astrônomos e arqueólogos, chegaram à conclusão de que os alinhamentos e círculos serviam como marcos indicadores de referências e importantes pontos do horizonte, como por exemplo as posições extremas do nascer e ocaso do Sol e da Lua, no decorrer do ano. Esses monumentos megalíticos são autênticos observatórios destinados à previsão de eclipses na Idade da Pedra.
Em Stonehenge, cada pedra pesa em média 26 toneladas e a avenida principal que parte do centro do monumento aponta para o local em que o Sol nasce no dia mais longo do verão.
Nessa estrutura, algumas pedras estão alinhadas com o nascer e o pôr do Sol no início do verão e do inverno. Os maias, na América Central, também tinham conhecimentos de calendário e de fenômenos celestes, e os polinésios aprenderam a navegar por meio de observações celestes.
Na Mesopotâmia (região situada entre os rios Tigre e Eufrates, no Oriente Médio, onde hoje se localiza o Iraque) surgiram e se desenvolveram vários povos a partir de mais ou menos 3.500 a.C. Os sumérios foram os primeiros habitantes da região, e os primeiros a cultivar a astronomia. Parece justo reconhecê-los como fundadores da astronomia, apesar de terem sido também os criadores da astrologia. Realmente, a princípio, observavam os astros por motivos místicos, porém com o tempo, deixaram as suas pretensões místicas para se limitarem a observar pela simples observação. Assim fazendo, passaram de astrólogos a astrônomos. Tal mudança na análise dos fenômenos celestes ocorreu no primeiro milênio antes de Cristo. Surgem, assim, as primeiras aplicações de métodos matemáticos para exprimir as variações observadas nos movimentos da Lua e dos planetas. A introdução da matemática na astronomia foi o avanço fundamental na história da ciência na Mesopotâmia. Realizaram observações sistemáticas dos movimentos dos planetas e principalmente do Sol e da Lua. Determinaram o período da lunação (mês sinódico), o período do movimento do Sol (ano trópico), a inclinação da trajetória anual do Sol pela eclíptica e conheciam o fato de que a velocidade da Lua em seu movimento ao redor da Terra era variável. Podiam prever eclipses, e também verificaram que os planetas são encontrados sempre numa mesma região do céu. Criaram várias constelações, sendo que a maioria delas representava figuras de animais. Daí surgiu o Zodíaco, que significa círculo de animais.
A astronomia na China, como na Mesopotâmia, foi essencialmente religiosa e astrológica. Há dificuldade de reconstituir todo o conhecimento astronômico chinês, pois no ano 213 a.C. todos os livros foram queimados por decreto imperial. O que existe de mais antigo em matéria de astronomia remonta ao século IX a.C. Os chineses previam os eclipses, pois conheciam sua periodicidade. Usavam um calendário de 365 dias. Deixaram registros de anotações precisas de cometas, meteoros e meteoritos desde 700 a.C. Mais tarde, também observaram as estrelas que agora chamamos de novas.
É importante registrar o papel desempenhado pelo Egito na difusão das idéias e conhecimento mesopotâmicos. Foi por intermédio dos egípcios que os astrólogos e os astrônomos babilônicos chegaram ao Ocidente. A astronomia egípcia, contudo, era bastante rudimentar, pois a economia egípcia era essencialmente agrícola e regida pelas enchentes do Nilo. Por esse motivo o ritmo de sua vida estava relacionado apenas com o Sol. As descrições do céu eram quase nulas e o zodíaco que conheciam era uma importação do criado pelos babilônicos. As pirâmides egípcias apresentam suas faces voltadas, com grande precisão, para os quatro pontos cardeais, o que atesta seus conhecimentos astronômicos.
O ápice da ciência antiga se deu na Grécia, de 600 a.C. a 400 d.C., a níveis só ultrapassados no século XVI. Do esforço dos gregos em conhecer a natureza do cosmos, e com o conhecimento herdado dos povos mais antigos, surgiram os primeiros conceitos de Esfera Celeste, uma esfera de material cristalino, incrustada de estrelas, tendo a Terra no centro. Desconhecedores da rotação da Terra, os gregos imaginaram que a esfera celeste girava em torno de um eixo passando pela Terra. Observaram que todas as estrelas giram em torno de um ponto fixo no céu e consideraram esse ponto como uma das extremidades do eixo de rotação da esfera celeste.
Tales de Mileto (~624-546 a.C.) introduziu na Grécia os fundamentos da geometria e da astronomia, trazidos do Egito. Já convencido da curvatura da Terra, sabia que a Lua era iluminada pelo Sol e previu o eclipse solar do ano 584 a.C. Muitos teoremas matemáticos lhe são atribuídos, mas pouco se conhece a seu respeito. Teve vários discípulos, dentre os quais merecem destaque Anaximandro, Anaximenes e Anaxágoras.
Pitágoras de Samos (~572-497 a.C.) acreditava na esfericidade da Terra, da Lua e de outros corpos celestes. Achava que os planetas, o Sol, e a Lua eram transportados por esferas separadas da que carregava as estrelas. Foi o primeiro a chamar o céu de cosmos. De seus vários discípulos, vale destacar Filolau.
Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.) explicou que as fases da Lua dependem de quanto da parte da face da Lua iluminada pelo Sol está voltada para a Terra. Explicou, também, os eclipses; argumentou a favor da esfericidade da Terra, já que a sombra da Terra na Lua durante um eclipse lunar é sempre arredondada. Afirmava que o Universo é esférico e finito. Aperfeiçoou a teoria das esferas concêntricas de Eudoxus de Cnidus (408-355 a.C.), propondo eu seu livro De Caelo, que "o Universo é finito e esférico, ou não terá centro e não pode se mover". Foi discípulo do filósofo Platão. Heraclides de Pontus (388-315 a.C.) propôs que a Terra girava diariamente sobre seu próprio eixo, que Vênus e Mercúrio orbitavam o Sol, e a existência de epiciclos.
Aristarcos de Samos (310-230 a.C.) foi o primeiro a propor a Terra se movia em volta do Sol, antecipando Copérnico em quase 2.000 anos. Entre outras coisas, desenvolveu um método para determinar as distâncias relativas do Sol e da Lua à Terra e mediu os tamanhos relativos da Terra, do Sol e da Lua. Na obra de Plutarco encontra-se menção sobre Aristarcos, o qual havia proposto o duplo movimento da Terra: rotação em torno de seu eixo polar e translação ao redor do Sol. Todas as obras de Aristarcos se perderam, com exceção de uma, "Sobre os Tamanhos e Distâncias do Sol e da Lua". Ainda segundo alguma fontes, Aristarcos teria elaborado uma classificação das estrelas quanto ao brilho, estabelecendo três "grandezas", e admitiu que as estrelas se encontram a diferentes distâncias da Terra.
Eratóstenes de Cirere (276-194 a.C.), bibliotecário e diretor da Biblioteca Alexandrina de 240 a.C. a 194 a.C. Realizou trabalhos importantes em vários campos. Entre suas realizações, destaca-se o "crivo" de Erastóstenes, que ainda hoje se emprega na construção de tábuas de números primos; o sistema de coordenadas geográficas que idealizou, fundamentalmente semelhante ao sistema empregado em nossos dias; foi talvez o primeiro a empregar um globo para representar a Terra; confeccionou várias cartas geográficas; escreveu vários tratados, dos quais se destaca "Sobre a posição das estrelas". Mas a mais importante de suas realizações foi medir as dimensões da Terra, sendo o primeiro a determinar seu diâmetro. Ele notou que, na cidade egípcia de Siena (atualmente chamada de Aswân), no primeiro dia do verão, ao meio-dia, a luz solar atingia o fundo de um grande poço, ou seja, o Sol estava incidindo perpendicularmente à Terra em Siena. Já em Alexandria, situada ao norte de Siena, isso não ocorria; medindo o tamanho da sombra de um bastão na vertical, Eratóstenes observou que em Alexandria, no mesmo dia e hora, o Sol estava aproximadamente sete graus mais ao sul. A distância entre Alexandria e Siena era conhecida como de 5.000 estádios. Um estádio era uma unidade de distância usada na Grécia antiga. Um camelo atravessa 100 estádios em um dia, e viaja a cerca de 16 km/dia. Como 7 graus corresponde a 1/50 de um círculo (360 graus), Alexandria deveria estar a 1/50 da circunferência da Terra ao norte de Siena e a circunferência da Terra deveria ser 50×5.000 estádios. Infelizmente, não é possível se ter certeza do valor do estádio usado por Eratóstenes, já que os gregos usavam diferentes tipos de estádios. Se ele utilizou um estádio equivalente a 1/6 km, o valor está a 1% do valor correto de 40.000 km. O diâmetro da Terra é obtido dividindo-se a circunferência por π.
Hiparco de Nicéia (160-125 a.C.), considerado o maior astrônomo da era pré-cristã, construiu um observatório na ilha de Rodes, onde fez observações durante o período de 160 a 127 a.C. Como resultado, ele compilou um catálogo com a posição no céu e a magnitude de 850 estrelas. A magnitude, que especificava o brilho da estrela, era dividida em seis categorias, de 1 a 6, sendo 1 a mais brilhante, e 6 a mais fraca visível a olho nu. Hiparco deduziu corretamente a direção dos pólos celestes, e até mesmo a precessão, que é a variação da direção do eixo de rotação da Terra devido à influência gravitacional da Lua e do Sol, que leva 26.000 anos para completar um ciclo. Para deduzir a precessão, ele comparou as posições de várias estrelas com aquelas catalogadas por Timocharis e Aristyllus 150 anos antes (cerca de 300 a.C.). Estes eram membros da Escola Alexandrina do século III a.C. e foram os primeiros a medir as distâncias das estrelas de pontos fixos no céu (coordenadas eclípticas). Foram, também, dos primeiros a trabalhar na Biblioteca de Alexandria, que se chamava Museu, fundada pelo rei do Egito, Ptolémée Sôter Ier, em 305 a.C. Hiparco também deduziu o valor correto de 8/3 para a razão entre o tamanho da sombra da Terra e o tamanho da Lua e também que a Lua estava a 59 vezes o raio da Terra de distância; o valor correto é 60. Ele determinou a duração do ano com uma margem de erro de 6 minutos.
Ptolomeu (87-150 d.C.) Claudius Ptolemaeus foi o último astrônomo importante da antiguidade. Ele compilou uma série de treze volumes sobre astronomia, conhecida como o Almagesto, que é a maior fonte de conhecimento sobre a astronomia na Grécia. A contribuição mais importante de Ptolomeu foi uma representação geométrica do sistema solar, geocêntrica, com círculos e epiciclos, que permitia predizer o movimento dos planetas com considerável precisão e que foi usado até o Renascimento, no século XVI.
Em 1252, Afonso X, o Sábio, Rei de Castela (Espanha), que em 1256 foi proclamado rei e no ano seguinte imperador do Sacro Império Romano, convocou 50 astrônomos para revisar as tabelas astronômicas calculadas por Ptolomeu, que incluíam as posições dos planetas no sistema geocêntrico, publicado por Ptolomeu em 150 d.C., no Almagesto. Os resultados foram publicados como as Tabelas Alfonsinas. Os dados e comentários que se foram anexando ao Almagesto formaram as fontes essenciais para o primeiro livro-texto de astronomia do Ocidente, o Tratado da esfera de Johannes de Sacrobosco.
John Holywood (1200 - 1256) Sua obra foi várias vezes reeditada, ampliada e comentada. Foi o principal texto de instrução acadêmica até o tempo de Galileu.
Nicolau Cusano (1401 - 1464), matemático e astrônomo. É interessante ressaltar que suas idéias sobre o universo infinito e sobre a investigação quantitativa da natureza brotaram de reflexões teológicas e religiosas.
Nicolau Copérnico (1473 - 1543) apresenta o sistema heliocêntrico. A base deste novo pensamento veio, em parte, das escolas bizantinas. Manteve durante toda a vida a idéia da perfeição do movimento circular, sem supor a existência de outra forma de movimento.
Tycho Brahe (1546 - 1601) descobriu erros nas Tabelas Alfonsinas. Em 11 de novembro de 1572, Tycho notou uma nova estrela na constelação de Cassiopéia. A estrela era tão brilhante que podia ser vista à luz do dia, e durou 18 meses. Era o que hoje chamamos de supernova. Publicou suas observações no De Nova et Nullius Aevi Memoria Prius Visa Stella, em Copenhague em 1573. Com seus assistentes, Tycho conseguiu reduzir a imprecisão das medidas, de 10 minutos de arco deste o tempo de Ptolomeu, para um minuto de arco. Foi o primeiro astrônomo a calibrar e checar a precisão de seus instrumentos periodicamente, e corrigir as observações por refração atmosférica. Também foi o primeiro a instituir observações diárias, e não somente quando os astros estavam em configurações especiais, descobrindo assim anomalias nas órbitas até então desconhecidas.
Johannes Kepler (1571 - 1630) descobriu as três leis que regem o movimento planetário. As duas primeiras foram resultados de árdua computação trigonométrica, na qual usou as observações de Marte, realizadas por Tycho Brahe. Em 1619 Kepler publicou Harmonices Mundi, em que as distâncias heliocêntricas dos planetas e seus períodos estão relacionados pela Terceira Lei, que diz que o quadrado do período é proporcional ao cubo da distância média do planeta ao Sol. Esta lei foi descoberta por Kepler em 15 de maio de 1618. Em 17 de outubro de 1604 Kepler observou a nova estrela (supernova) na constelação de Ophiucus, junto a Saturno, Júpiter e Marte, que estavam próximos, em conjunção. Kepler também estudou as leis que governam a passagem da luz por lentes e sistemas de lentes, inclusive a magnificação e a redução da imagem, e como duas lentes convexas podem tornar objetos maiores e distintos, embora invertidos, que é o princípio do telescópio astronômico. Em relação a Kepler, devem ser mencionados também seu telescópio astronômico e suas Tábuas Rodolfinas.
Galileo Galilei (1564 - 1642) Em maio de 1609 ouviu falar de um instrumento de olhar à distância que o holandês Hans Lipperhey havia construído, e mesmo sem nunca ter visto o aparelho, construiu sua primeira luneta em junho, com um aumento de 3 vezes. Galileo se deu conta da necessidade de fixar a luneta, ou telescópio como se chamaria mais tarde, para permitir que sua posição fosse registrada com exatidão. Até dezembro ele construiu vários outros, o mais potente com 30X, e faz uma série de observações da Lua, descobrindo que esta tem montanhas. De 7 a 15 de janeiro de 1610 descobre os quatro satélites maiores de Júpiter e sua revolução livre em torno do planeta. Descobriu também as principais estrelas dos aglomerados das Plêiades e das Híades e a primeira indicação dos anéis de Saturno e as manchas solares. Por suas afirmações, Galileo foi julgado e condenado por heresia em 1633. Sentenciado ao cárcere, Galileo, aos setenta anos, renega suas conclusões de que a Terra não é o centro do Universo e imóvel. Apenas em 1822 foram retiradas do Índice de livros proibidos as obras de Copérnico, Kepler e Galileo, e em 1980, o Papa João Paulo II ordenou um reexame do processo contra Galileo, o que eliminou os últimos vestígios de resistência, por parte da igreja Católica, à revolução Copernicana. Não se deve esquecer que foram os grandes observadores e teóricos dessa época, como Hevelius, Huygens e Halley, que ajudaram a erguer a nova astronomia.
Sir Isaac Newton (1643 - 1727) Sua obra monumental fixa as bases da mecânica teórica. Da combinação de suas teorias com sua lei de gravitação, surge a confirmação das leis de Kepler e, num só golpe, o estabelecimento, em bases científicas, da mecânica terrestre e celeste. No domínio da óptica, Newton inventou o telescópio refletor, discutiu o fenômeno da interferência, desenvolvendo as idéias básicas dos principais ramos da física teórica, nos dois primeiros volumes do Principia, com suas leis gerais, mas também com aplicações a colisões, o pêndulo, projéteis, fricção do ar, hidrostática e propagação de ondas. Somente depois, no terceiro volume, Newton aplicou suas leis ao movimento dos corpos celestes. O Principia é reconhecido como o livro científico mais importante escrito. Os trabalhos astronômicos de Newton são apenas comparáveis aos de Gauss, que contribuiu para a astronomia com a teoria da determinação de órbitas, com trabalhos importantes de mecânica celeste, de geodésica avançada e a criação do método dos mínimos quadrados. Nunca outro matemático abriu novos campos de investigação com tanta perícia, na resolução de certos problemas fundamentais, como Gauss. São dessa época os notáveis trabalhos de mecânica celeste desenvolvidos por Euler, Lagrange e Laplace, e os dos grandes observadores como F.W. Herschel, J.F.W. Herschel, Bessel, F.G.W. Struve e O.W. Struve. Vale a pena lembrar uma data histórica para a astronomia - a da primeira medida de paralaxe trigonométrica de uma estrela e, conseqüentemente, da determinação de sua distancia, por Bessel (61 Cygni) e F.G.W. Struve (Vega), em 1838. Este notável feito da técnica de medida astronômica é basicamente o ponto de partida para o progresso das pesquisas do espaço cósmico.
A espectroscopia estelar, a construção dos grandes telescópios, a substituição do olho humano pelas fotografias, e os objetivos de sistematização e classificação, fizeram a astronomia evoluir mais nestes últimos cinqüenta anos do que nos cinco milênios de toda sua história. A partir deste momento, a história da astronomia, em conseqüência do desenvolvimento tecnológico da segunda metade do século XX, sofre uma tal mudança nos seus métodos, que a astronomia deixa o seu aspecto de ciência de observação para se tornar, também, uma nova ciência experimental, onde aparecem inúmeros ramos. As principais divisões da astronomia são a astrometria, que trata da determinação da posição e do movimento dos corpos celestes; a mecânica celeste, que estuda o movimento dos corpos celestes e a determinação de suas órbitas; a astrofísica, que estuda as propriedades físicas dos corpos celestes; a astronomia estelar, que se ocupa da composição e dimensões dos sistemas estelares; a cosmogonia, que trata da origem do universo, e a cosmologia, que estuda a estrutura do universo como um todo. A pesquisa espacial deu não só à cartografia, mas a todos os estudos das ciências na Terra e, em especial, aos levantamentos dos recursos naturais do planeta, um novo dimensionamento. No início do século XX, a publicação da Teoria da Relatividade, de Albert Einstein (1879-1955), produziu profundas modificações na Física e possibilitou novas descobertas sobre as leis fundamentais do Universo. Com a construção de potentes telescópios, foi possível verificar a existência de milhares de outras galáxias, e com a ajuda da Radioastronomia, os conhecimentos astronômicos aumentaram de forma muito rápida. Atualmente, inúmeras observações são realizadas não só nos muitos observatórios espalhados pelo mundo, mas também através de sondas lançadas ao espaço.
Nosso corpo é o referencial que temos em relação a tudo que existe no tempo e no espaço. Somos o ponto que converge em todas as direções e sentidos em relação à matéria existente na terra e no universo. Onde estamos situados? Em que local estamos diante do Universo conhecido? Qual nossa posição em relação ao sistema solar, as constelações, as galáxias? Vamos tentar nos localizar diante destas perguntas
Temos um endereço, uma rua, nº., bairro, CEP, cidade, estado pais, região, continente, planeta, sistema, constelação, galáxia, estamos situado em algum ponto do universo. Para isso vamos dar as coordenadas de onde estamos diante do tudo.
Sabemos que estamos na Terra ( o nome deveria ser planeta Água) e nosso principal ponto de referência em relação ao sistema solar que consiste de uma estrela média que é o Sol. Os planetas Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão, orbitam esta estrela. Há indícios fortes de haverem outros planetas dentro do sistema solar. O sistema solar Inclui: os satélites dos planetas; numerosos cometas, asteróides, e meteoróides; e o espaço interplanetário. O Sol é a fonte mais rica de energia eletromagnética (principalmente sob a forma de calor e luz) do sistema solar. A estrela conhecida mais próxima do Sol é uma estrela anã vermelha chamada Próxima Centauri, à distância de 4.3 anos-luz.
O sistema solar completo, em conjunto com as estrelas locais visíveis numa noite clara, órbita em volta do centro da nossa galáxia, um disco em espiral com 200 bilhões de estrelas a que chamamos Via Láctea. Nós estamos situados numa das espirais desta galáxia, crêem os astrônomos que numa cauda, bem na extremidade, que nos dá o privilégio de certa segurança em relação ao seu centro conturbado de estrelas e possivelmente de um buraco negro. A Via Láctea tem duas pequenas galáxias orbitando na proximidade, que são visíveis do hemisfério sul. Têm os nomes de Grande Nuvem de Magalhães e Pequena Nuvem de Magalhães. A galáxia grande mais próxima é a Galáxia de Andrômeda. É uma galáxia em espiral, tal como a Via Láctea, mas é 4 vezes mais massiva e está a 2 milhões de anos-luz de distância. A nossa galáxia, uma de bilhões de galáxias conhecidas, viaja pelo espaço intergaláctico.
Citando o espaço intergaláctico vamos nos referir a "Escala do Espaço" criada pelos astrônomos que torna necessária para medir a distancia de qualquer objeto desde os planetas ate as galáxias mais remotas. Os astrônomos descrevem as enormes distâncias até as estrelas em ano-luz. A luz move-se a 300 mil km/s. e, durante um ano, ela percorre 9,5 trilhões km, ou aproximadamente 1 ano-luz (al). Isso equivale a 63.240 U.A. (Unidade Astronômica). Para cada caso utilizam o método mais apropriado- velocidades planetárias, paralaxe, estrelas ceifadas e galáxias inteiras.
Para concluir este pequeno estudo geográfico da nossa localização no universo o astrônomo Tarso Araújo detalha nosso endereço Universal:
O que os cientistas sabem é que a nossa galáxia, a Via Láctea, é apenas uma das 100 bilhões de galáxias existentes no universo observável que nossos instrumentos conseguem detectar. A nossa vizinhança, que você confere nesta página, é
Uma região do Cosmo com pouco mais de 30 galáxias (sistemas com milhões, bilhões ou trilhões de estrelas). Esse quadrado do espaço têm cerca de 3 milhões de anos-luz de "lado", algo como 28 quintilhões de quilômetros - o número 28 seguido de 18 zeros! Parece muito, mas esse pedaço é ridiculamente pequeno comparado com a imensidão do Universo. Se o universo conhecido pelo homem fosse um campo de futebol, o Grupo Local teria míseros 2 centímetros de extensão. Não daria nem para atravessar a faixa de cal! As maiores galáxias da região são Andrômeda, a nossa Via Láctea e a M33. As outras são satélites de uma das três.
Nosso bairro na cidade
Vizinhança da Via Láctea - um micro pedaço do Universo - tem cerca de 30 galáxias
SCULPTOR
Satélite da Via Láctea, a Sculptor foi a primeira galáxia do tipo anã esferoidal (galáxia pequena em formato circular) a ser descoberta, em 1938. O americano Harlow Shapley foi o responsável pelo achado
FORNAX
Irmã gêmea de Sculptor, ela tem o mesmo formato esferoidal e também é um satélite da Via Láctea. A diferença é que ela está quase duas vezes mais longe. Assim como Sculptor, Fornax também é visível com qualquer telescópio amador
NUVENS DE MAGALHÃES
Estas duas galáxias irregulares que orbitam a Via Láctea podem ser vistas a olho nu, como duas nuvens brancas no céu. Quem primeiro as observou foram os persas, mas o nome homenageia o português Fernão de Magalhães, que trouxe a descoberta para o Ocidente
VIA LÁCTEA
Nossa casa no Universo, a Via Láctea foi identificada como galáxia pela primeira vez pelo grego Demócrito (450 a.C. - 370 a.C.). Ela é a segunda maior do Grupo Local e acredita-se que pode ter sido maior: alguns astrônomos especulam que as Nuvens de Magalhães podem ter se desgarrado dela
TRIANGULUM (M 33)
Apesar de ser a terceira maior galáxia do Grupo Local (atrás de Andrômeda e da Via Láctea), pode ser que ela esteja se movendo ao redor de Andrômeda, o que faria dela mais um satélite. Tem possivelmente uma pequena galáxia- satélite, a Peixes
NGC 185
Esta galáxia anã é considerada a "irmã menor" da NGC 147, pois ambas se movimentam ao mesmo tempo ao redor de Andrômeda. Assim como a NGC 147, a 185 é visível da Terra com o auxílio apenas de telescópios amadores. As duas são as galáxias mais brilhantes dentre as dezenas que orbitam Andrômeda
NGC 147
É a galáxia-satélite mais brilhante de Andrômeda, o que não é suficiente para tirá-la da categoria das galáxias anãs - a classificação leva em conta o brilho e a distância da galáxia. Ela foi descoberta pelo britânico John Herschel, em 1829, por meio de observações com telescópio
ANDRÔMEDA
Esta galáxia tem a mesma forma que a Via Láctea, mas o dobro do tamanho (conta com 1 trilhão de estrelas), o que faz dela a maior da nossa vizinhança. Pela conta dos astrônomos, pode ser que ela e a Via Láctea entrem em colisão. Mas não se preocupe: isso só deve acontecer daqui a 3 bilhões de anos...
Objetos de extrema luminiosidade, os quasares estão situados nos confins do universo conhecido pelo homem. Os mais distantes estão a 15 bilhões de anos-luz de nós.
Este da imagem, é o 3C 273, é o mais brilhante já observado e está mais pertinho, a "apenas" 2 bilhões de anos-luz. Até hoje, ninguém sabe ao certo o que esses corpos celestes são. Os cientistas levantam algumas suspeitas: um quasar pode ser uma estrela, galáxia ou buraco negro.
Lourdes Villarreal Lujan | México
Carl Edward Sagan nasceu em 11 de novembro de 1934 no bairro de Bensonhurst no coração do Brooklyn, N.Y., filho de imigrantes provenientes da Europa central. Ele mesmo conta algo de sua humilde origem em "Nómadas" na introdução de seu livro "Pálido Ponto Azul" (No Brasil: Companhia das Letras, 1996):
"Duvido muito que, em toda sua existência, Leib (Gruber, seu avô) haveria se distanciado mais de cem quilômetros de Sassow, o pequeno povoado que o viu nascer. Porém, em 1904, segundo conta uma lenda familiar, a fim de evitar uma condenação por assassinato decidiu de repente fugir para o Novo Mundo, deixando atrás de si sua jovem esposa. Quão diferentes daquela atrasada aldeia haveriam de parecer-lhe as grandes cidades portuárias alemãs; que imenso o oceano; que estranhos os altíssimos arranha-céus e a frenética atividade em seu novo lar. Nada sabemos de sua viagem transoceânica, mas encontramos a lista de passageiros correspondente ao trajeto percorrido posteriormente por sua esposa, Chaiya, que foi encontrar-se com Leib quando conseguiu economizar o suficiente. Viajou na classe mais econômica a bordo do Batávia, um navio registrado em Hamburgo. No documento lê-se uma concisão que, de certo modo, parte o coração: «Sabe ler ou escrever?» «Não.» «Fala inglês?» «Não.» «Quanto dinheiro leva?» Imagino a vulnerabilidade e vergonha que deve ter sentido ao responder: «Um dólar»".
Desembarcou em Nova York, uniu-se a Leib, viveu o tempo suficiente para dar a luz à minha mãe e à minha tia e logo morreu por complicações de parto. Durante estes poucos anos na América, em algumas ocasiões haviam adaptado seu nome ao inglês e a chamavam Clara. Um quarto de século depois, minha mãe deu a seu primogênito, um menino, o nome da mãe que nunca chegou a conhecer.
Samuel Sagan, seu pai, foi um judeu emigrante da Rússia que trabalhou de cortador de tecidos em uma fábrica de roupas e chegou a ser um próspero comerciante ainda durante os anos da Depressão. Rachel, sua mãe, foi uma dona de casa que dedicou todo seu tempo a educar seus filhos com amor e dedicação. A família Sagan sempre se preocupou com a educação do pequeno Carl, que sempre demonstrou vocação para a ciência. Um bom exemplo foi quando os Sagan levaram seu filho, então com 5 anos de idade, à Exposição Mundial de 1939 em Nova York. Carl ficou impressionado ante as visões futuristas daquela época.
Carl Sagan na contracapa de seu livro "Bilhões e Bilhões".
Também o céu noturno despertou sua curiosidade. Por não haver ninguém a seu lado que soubesse ou quisesse explicar-lhe o que eram as estrelas, aos 7 ou 8 anos sua mãe o levou à Biblioteca Pública de NovaYork e Carl pediu um livro sobre estrelas. A gentil funcionária lhe deu um livro que tinha na capa Clark Gable e Greta Garbo: estrelas de Hollywood. Muito cedo Sagan soube que nem todas as pessoas tinham muito claro o conceito de estrela.
Quando lhe trouxeram o livro correto, Carl o leu por inteiro. Também as leituras de ficção científica da época despertaram sua imaginação sobre a possibilidade de vida em outros mundos. Em "Cosmos" (Francisco Alves Editora, 1992) nos relata:
"Eu me recordo de ter lido quando criança, fascinado e emocionado, as novelas marcianas de Edgar Rice Burroughs. Viajei com John Carter, cavaleiro e aventureiro de Virgínia, até "Barsoom", o nome que seus habitantes davam a Marte. Segui a tropa de burros de carga com oito patas, os thoat. E consegui a mão da bela Dejah Thoris, princesa de Helium. Tornei-me amigo de um lutador verde de quatro metros, chamado Tars Tarkas. Passei pelas cidades pontiagudas e pelas estações em abóbadas de Barsoom e ao longo das verdes veredas dos canais de Nylosirtis e Nephentes (...) John Carter conseguiu chegar ali simplesmente pondo-se de pé em um campo, estendendo suas mãos e desejando-o. Recordo-me de haver passado quando criança, muitas horas com os braços firmemente estendidos solitário em um campo implorando ao que acreditava ser Marte, para que me transportasse até ali. Nunca deu resultado. Tinha que haver outros meios."
Segundo contam os que o conheceram, naquela época não havia a palavra para o que queria ser: queria viajar e investigar a vida em outros planetas, queria estudar as estrelas, queria desenhar naves espaciais... mas apesar de sonhar com viagens para as estrelas, Carl era sensato e compreendeu que talvez quando existissem naves espaciais ele já seria velho demais. Mas decidiu que estudaria as estrelas. Foi menosprezado por alguns como seu avô, que lhe perguntou o que gostaria de fazer quando fosse maior. Carl muito orgulhoso lhe respondeu: "quero estudar Astronomia". O avô voltou a lhe perguntar: "Isso é muito bom. E o que pensa fazer para ganhar a vida?". Mas isso não deteria a mente inquieta de Sagan que muito cedo descobriu que muitas pessoas estudavam Astronomia e na realidade ganhavam dinheiro com sua profissão. Juntamente com o total e incondicional apoio de seus pais e alguns professores, o destino do futuro cientista e divulgador já estava escrito.
Ao fim da Segunda Guerra Mundial, a família Sagan se mudou para Nova Jersey onde teria uma vida melhor. Ali Carl realizou seus estudos preparatórios na Radway High School, onde foi escolhido como o estudante mais inteligente e o que teria maiores possibilidades de ter êxito na vida.
Ao terminar o curso preparatório, Carl se mudou para Chicago para estudar na universidade local. Ali teve que abandonar seu interesse por foguetes como um possível meio para viajar pelo espaço, porque a universidade não contava com um departamento de Engenharia. Então concentrou-se em estudar o que sempre o fascinou: as estrelas.
Avançou rapidamente em sua carreira como cientista; muito cedo destacou-se entre seus companheiros e durante as férias de verão trabalhou no laboratório do cientista ganhador do Prêmio Nobel H.J. Mueller que naquela época dedicava-se a pesquisar a origem da vida neste planeta. Ali, entretanto, Sagan realizou atividades de pouca importância.
Sagan concluiu seu doutorado em Astronomia e Astrofísica sob a tutela do Dr. Gerard Kuiper, outro cientista intrépido que estudou a possibilidade de vida em outros planetas ficando conhecido como o Pai da Ciência Planetária Moderna. Deve-se salientar que homens como estes tiveram que lutar por suas idéias, pois naquela época seus colegas, concentrados em temas mais convencionais, consideravam a investigação de vida em outros planetas como ficção científica. Mas logo as perspectivas do espaço mudariam para sempre quando os cientistas soviéticos realizaram com êxito o impressionante lançamento da Sputnik para colocá-la em órbita ao redor da Terra em 1957.
Nesse mesmo ano, em 16 de junho de 1957, Carl casou-se com a estudante Lynn Alexander (mais tarde Lynn Margulies) que como Sagan, causou controvérsias com suas teorias revolucionárias sobre a evolução da vida na Terra. Tiveram dois filhos: Dorion y Jeremy.
Durante estes anos, Sagan divulgou os resultados de sua primeira grande pesquisa como cientista, na qual propunha um efeito estufa em Vênus. Seus cálculos perfeitos causaram sensação e foi convidado pela NASA para trabalhar como cientista colaborador. Os dados transmitidos pela Mariner II desde Vênus comprovaram a veracidade das teorias de Sagan.
Já não havia nada que impedisse o início da Aventura Espacial. E muito menos algo que impedisse Carl Sagan de participar dela.
Embora a NASA se empenhasse principalmente em enviar uma missão tripulada à Lua, Sagan nunca viu com bons olhos o programa espacial Apolo. Considerava-o um desperdício de dinheiro e um risco para as vidas dos astronautas; entretanto, a colaboração com a agência espacial lhe permitiria tornar seus sonhos realidade: explorar outros mundos e investigar a possibilidade de vida neles. Mas ao concentrar-se em suas ambições, teve comprometido seu matrimônio e em 1963, divorciou-se de Lynn Alexander. Ela levou consigo os filhos e Carl então sozinho concentrou-se em suas atividades na NASA, além de aceitar o cargo de astrônomo na renomada Universidade de Harvard.
A Mariner 4 foi a primeira sonda a chegar a Marte no mês de junho de 1965 e todos os cientistas que participaram do projeto, especialmente Sagan, aguardaram ansiosos as imagens que a sonda haveria de transmitir. Marte era um ponto no céu particularmente atraente naquela época pois ainda eram lembrados os famosos "canais" observados por Percivall Lowell no princípio deste século. Apesar das observações com telescópios mais potentes já terem descartado a idéia de que estes canais pudessem ter sido construídos por alguma civilização inteligente, Marte não perdia seu fascínio...
% Mariner 4 % Mariner 4
Depois que os cientistas observaram todas as imagens analisando os valiosos dados enviados pelas sondas, concluiu-se que não havia indícios de erosão causada por água, excluindo quase por completo a possibilidade de que alguma vez pudesse haver existido sequer a forma de vida mais elementar no planeta vermelho. Sagan, longe de desanimar-se, optou por começar a monitorar sinais de vida mediante aparelhos que não requeriam condições atmosféricas ótimas como os telescópios ópticos, nem o custoso lançamento de uma sonda espacial: os chamados radiotelescópios.
Simultaneamente, Carl começou a colaborar com o cientista soviético I. S. Shklovski e juntos organizaram debates e discussões com outros colegas interessados em buscar vida extraterrestre; o conteúdo de tais discussões foi publicado no livro "OVNI'S: Um Debate Científico", que trata precisamente do início da busca de vida em outros mundos. Desde o princípio, Sagan deixou muito claro que o objeto de suas investigações não tinha nada a ver com o cada vez mais popular fenômeno OVNI. Entretanto, a conservadora Universidade de Harvard não viu com bons olhos suas atividades e no ano seguinte negou-lhe a renovação de seu contrato.
Isto significou um duro golpe na carreira de Sagan, mas quase imediatamente, recebeu uma oferta da Universidade de Cornell em Ithaca, Nova York, a qual tinha fama de ter em seu quadro cientistas que pesquisavam temas especulativos e pouco convencionais. Como se pode supor, Carl Sagan foi recebido calorosamente. Sagan mudou-se para Ithaca acompanhado de sua nova esposa, a artista Linda Salzmann, com quem se casou em 06 de abril de 1968. Carl tornou-se diretor do Laboratório de Ciências Espaciais em Cornell, cargo que, juntamente com suas aulas nesta universidade, ocupou pelo resto de sua vida.
Mesmo com todas estas atividades, Sagan fez parte da equipe de operadores e cientistas encarregados do projeto Apolo 11 em 1969. Porém o mais significativo nesse ano para ele foi a missão da Mariner 9 a Marte, que excedeu todas as expectativas ao orbitar duas vezes em um dia e fotografar cem por cento de sua superfície, mostrando evidências de que alguma vez foi ativa e onde poderia ter existido vida.
Pouco a pouco Sagan acumula experiência com seus anos de professor e cientista, que juntamente com sua grande capacidade de observação lhe permitiu compreender que o indivíduo normal, sem estudo universitário, devia ser introduzido ao mundo da ciência e astronomia. Com grande entusiasmo e sem importar-se em perder um pouco do tempo de suas pesquisas, empenhou-se na tarefa de popularizar a ciência. Porém talvez nem ele mesmo fosse consciente de seu enorme talento não só para explicar temas complicados de uma maneira simples, mas para contagiar com seu entusiasmo e paixão a ciência e o saber. Carl começa a publicar artigos de divulgação científica em revistas não especializadas e realiza esporádicas aparições em programas de televisão. Aos poucos começa a ser reconhecido pelas pessoas comuns, além da popularidade que já tinha entre a elite científica. Mas Carl Sagan logo estaria na boca de todos por conta de... uma placa.
Em 1973 foram lançadas as sondas espaciais Pioneer 10 e 11 com a finalidade de transmitir imagens e dados dos gigantes de nosso sistema solar: Júpiter e Saturno. Sagan e seu colega e amigo Frank Drake conseguem autorização da NASA assim como os fundos necessários para incluir na Pioneer 10 uma placa gravada com símbolos, no caso de alguma civilização extraterrestre deparar-se com a nave durante sua viagem ao espaço exterior, para onde está se dirigindo neste mesmo momento. A placa foi projetada por Drake e Sagan e desenhada por Linda Salzmann.
A chave para decifrar a placa consiste em entender o esgotamento do elemento mais comum no universo: o hidrogênio. Este elemento vem ilustrado na parte esquerda da placa em forma esquemática, mostrando a transição superfina do hidrogênio atômico neutro. Qualquer ser proveniente de uma civilização com suficiente conhecimento científico para compreender o hidrogênio deveria ser capaz de interpretar a mensagem. Igualmente se indica a posição da Terra em nosso Sistema Solar... mas tudo isto Teria passado quase despercebido não fosse o fato de que também foram incluídas gravuras que mostravam um homem e uma mulher desnudos. A mídia se apressou em mostrar imagens da placa em jornais, revistas e televisão, enlouquecendo a conservadora América do Norte.
A seguir, alguns extratos de "Sinais da Terra", narrado por Frank Drake (traduzido do alemão "Signale der Erde", Droemersche VerlagsanstaltTh. Knaur Nachf. München/Zürich, 1980):
"A placa na Pioneer 10 e 11, ainda que tão simples, provocou reações tanto divertidas como surpreendentes por parte da opinião pública. Os meios de comunicação e as estações de televisão se depararam com o problema de mostrar a placa em todos os seus detalhes, mesmo mostrando seres humanos desnudos. No Chicago Sun-Times os redatores se esforçaram desesperadamente em retocar os órgãos sexuais até faze-los desaparecer, pois de uma edição a outra durante um mesmo dia, uma parte delicada da anatomia após outra ia desaparecendo. O chefe de redação do Los Angeles Times recebeu furiosas cartas de leitores que culpavam a NASA de desperdiçar o dinheiro dos contribuintes enviando obscenidades ao espaço. Também havia cartas de feministas ofendidas que consideravam que a mulher da placa parecia ser uma subordinada do homem. "Não parecia estar atrás dele? E por que o homem tinha o comando nas mãos e ela não?" Tudo isto foi uma desagradável surpresa para Linda Sagan, considerada uma mulher emancipada.
Também estavam surpreendidos e lastimosos os que achavam que as imagens dos humanos representavam demasiado a sua própria raça, qualquer que fosse. Chama a atenção que isto foi afirmado por pessoas de todas as raças, o que nos faz pensar em uma profunda verdade psicológica em todos nós. O mais importante é que esta mensagem foi realizada por um grupo muito pequeno de humanos --exatamente por três—e por isso não foi nem tão representativa de toda a humanidade, nem tão informativa como poderia ter sido. Na imprensa inglesa apareceram artigos propondo que futuras informações deste tipo fossem dirigidas por um grande grupo internacional de cientistas e leigos.
"Depois de todo este tiroteio de críticas chegamos à conclusão de que a maioria delas eram irrelevantes. Éramos da opinião que não havíamos cometido nenhum erro grave. Contudo, as críticas conseguiram nos mostrar que a arte de recopilar mensagens interestelares deveria ser feita com mais humildade. Descobrimos que uma grande parte da humanidade se preocupava com o conteúdo de mensagens interestelares, ainda que a possibilidade de serem recebidas fosse muito pequena."
Do mesmo modo muitos idignaram-se pensando que, ao mostrar nossa localização no espaço, seria muito mais fácil que civilizações bélicas nos localizassem para conquistar ou destruir a Terra. Entretanto, também houve muitas reações positivas e pessoas de todas as partes também escreveram cartas aos jornais para expressar sua aprovação e entusiasmo. Comenta Sagan em: "As Ligações Cósmicas" (Bertrand, Portugal, 1991):
"A mensagem levada pela Pioneer 10 foi uma autêntica diversão. Contudo também foi algo mais que isso. É uma espécie de prova cósmica Rorschach, na qual muitas pessoas vêem refletidas suas esperanças e temores, suas aspirações e derrotas, os mais escuros e mais luminosos aspectos do espírito humano. O envio de tal mensagem nos obriga a considerar como desejamos estar representados em um raciocínio cósmico. Qual é a imagem da Humanidade que poderíamos desejar apresentar a uma civilização superior situada em qualquer ponto da Galáxia? A transmissão da mensagem da Pioneer 10 nos estimula a considerar a nós mesmos desde una perspectiva cósmica.
Na minha opinião, creio que o maior significado da placa da Pioneer 10 não é precisamente o fato de enviar uma mensagem ao exterior, mas de tratar-se de uma mensagem a nós mesmos".
Em 20 de agosto de 1975 é lançado o foguete que levaria as sondas Viking 1 e 2 para Marte. A Viking 2 aterrissou com êxito na superfície desse planeta em 20 de julho de 1976, transmitindo imagens muito similares às dos desertos da Terra, mas para os entusiastas do espaço como Sagan, isto significou um sonho concretizado. A nave estava equipada com aparelhos destinados a efetuar provas no solo e atmosfera marciana para determinar se talvez em alguma época existiu vida ali. Como com o Mariner 4, nesta ocasião tampouco se pôde ter evidência alguma, mas o êxito do pouso de uma nave na superfície de um dos nossos planetas vizinhos foi outro grande salto para a humanidade, já que ao estudar as condições ambientais em outros mundos, lentamente vamos aprendendo mais sobre o nosso.
Todavia, esta semelhança de Marte com a Terra despertou pouco interesse entre os meios de comunicação e, por conseguinte, do público. Mais do que nunca Carl Sagan se dedicou a popularizar a ciência, chegando a aparecer no famoso The Tonight Show de Johnny Carson. Foi tal o êxito obtido que Sagan começou a converter-se em uma espécie de símbolo nacional norteamericano. Sagan começava a vislumbrar-se como uma estrela no firmamento por si mesma, e as aparições em tal programa de televisão se fizeram mais freqüentes.
% O planeta vermelho desde a câmera da Viking 2 Panorama marciano.
Em 1977 é lançado seu livro "Os Dragões do Éden", que trata da evolução da inteligência. Este livro (talvez meu favorito) lhe valeu o prêmio Pulitzer. Também outra mensagem para as estrelas e um amor proibido fizeram de 1977 um ano crucial na vida de Sagan.
O êxito da missão Viking encorajou a NASA a enviar outras duas naves espaciais para explorar o sistema solar exterior, principalmente a Júpiter e Saturno: as Voyager 1 e 2. E como as tais naves também estavam destinadas a se perder na imensidão do cosmo, Sagan e Drake aproveitaram a oportunidade para enviar outra mensagem interestelar. E apesar de haverem passados apenas alguns anos desde a missão Pioneer, a tecnologia havia avançado o suficiente para enviar não somente uma placa, mas um disco contendo imagens e música com "a história do Planeta Terra".
A popularidade de Sagan também era grande entre os círculos de intelectuais e artistas, o que reuniu talentosos colaboradores para desenhar e produzir o disco. Como em todas as missões espaciais, dispunha-se de pouco tempo e dinheiro para aprontar a mensagem em poucas semanas e todas as pessoas envolvidas no projeto trabalharam arduamente para concluí-la a tempo. As aventuras e desventuras da segunda grande mensagem dos terrestres às possíveis civilizações foram maravilhosamente narradas por Sagan, Drake e os principais colaboradores em "Murmúrios da Terra".
% Disco Voyager. O disco já instalado na Voyager
O disco contém o seguinte:
118 fotos, 20 delas em cores
Saudações em 55 idiomas
"Os sons da Terra": 19 sons diferentes
27 melodias, desde música tradicional de todas as partes do mundo, passando por música clássica, até Johnny B. Goode de Chuck Berry.
A jovem encarregada de conseguir os sons incluídos no disco, Ann Druyan, era amiga de Carl e Linda há vários anos. Mas ao trabalhar tão junto a Carl, descobriram-se perdidamente apaixonados. Ann estava comprometida com outro homem e Carl estava casado com Linda, mas o casal não hesitou em superar todos os obstáculos e em pouco tempo Carl abandonou sua esposa para viver com Ann, com quem permaneceu até sua morte.
Em 1979 Carl empreende a missão de sua vida: escrever, produzir e apresentar um ambicioso programa de televisão. "Cosmos: Uma viagem pessoal" consta de 13 capítulos abordando a evolução do universo, a história da ciência, as últimas missões aos planetas mais próximos, a possibilidade de vida extraterrestre e o perigo que representam para nosso planeta as armas nucleares e a destruição do meio ambiente, tudo em um só programa.
A série levou três anos para ser produzida e incluiu filmagens em 40 lugares em 12 países. O ritmo intenso de trabalho nesse projeto representou uma pressão enorme para Sagan, agravada com o fato de ter-se diagnosticado um câncer em seu pai. Carl e Ann levaram os Sagan a viver em sua casa e Carl entre as filmagens viajava a Ithaca para estar com seu pai o maior tempo possível. Assim o fez até a morte de Samuel Sagan, em outubro de 1979.
"Cosmos" foi ao ar em setembro de 1980. Calcula-se que sua primeira transmissão foi vista por 140 milhões de pessoas em todo o mundo, transformando "Cosmos" na série científica de maior êxito em todos os tempos. Carl e sua equipe de produção ganharam vários prêmios Peabody e Emmy e o livro escrito conjuntamente com a série foi um grande "Bestseller" que se manteve nas listas de venda por vários anos.
Pessoalmente, o livro e a série mudaram minha vida para sempre e pelo que notei, o mesmo passou com muitas pessoas ao redor do mundo. Até aquele momento Sagan havia ganhado vários prêmios: Pulitzer, Emmy, Peabody... mas nenhum Prêmio Nobel; e nunca o ganhou. Entretanto, Carl Sagan foi o cientista que mais influenciou a maneira de pensar de muitos seres humanos trazendo o universo às nossas mãos. Através da tela de televisão nos conscientizou dos perigos que podem desencadear a destruição de nosso planeta e nos mostrou o mundo da ciência durante épocas passadas da humanidade. Serviu de modelo para muitos outros cientistas que, contagiados pelo entusiasmo de Sagan, iniciaram uma era de programas e publicações de divulgação científica. Hoje em dia são normais os canais de televisão especializados em temas científicos e sociais. Pode se dizer que, de certo modo, Sagan obteve um prêmio muito maior que o Nobel: a gratidão de milhões de pessoas que pela primeira vez viu uma luz na escuridão da noite. Não posso concluir esta parte sem citar um fragmento de "Cosmos", o qual nos incita a assumir a responsabilidade que temos nós humanos em manter sã e salva a nossa Terra:
"Porque somos a encarnação local do Cosmo que cresceu até ter consciência de si, podemos contemplar nossas origens: substância estelar que medita sobre as estrelas; conjuntos organizados de dezenas de bilhões de átomos que percorreram o longo caminho através do qual surgiu a consciência, ao menos aqui. Nós falamos em nome da Terra. Devemos nossa obrigação de sobreviver não só a nós mesmos, mas também a este Cosmo, antigo e vasto do qual procedemos."
Depois de extensas tramitações, em 1981 Sagan por fim recebe o divórcio de Linda Salzmann e no dia primeiro de junho desse mesmo ano casa-se com Ann Druyan, sua última esposa.
As naves Voyager já haviam chegado a Júpiter e seus satélites e logo Saturno e seus impressionantes anéis, e lentamente se dirigiam para o espaço exterior, rumo a Urano. Não se sabia se as naves chegariam inteiras até esse planeta, mas em todo caso seguiam funcionando e transmitindo valiosos dados à Terra. Entretanto, a NASA decidiu concentrar-se no ônibus espacial depois do bem sucedido lançamento da Columbia deixando de lado os projetos de exploração espacial.
Sagan sempre criticou duramente o ônibus espacial; acreditava que as pesquisas realizadas por essas naves não tinham importância científica alguma. Em uma entrevista disse:
"Em um ônibus espacial são enviados 3, 5 ou 7 pessoas em uma cápsula a 300 km de altura; passam uma semana estudando coisas como a falta de crescimento de tomates ou algo assim, e depois o denominam exploração espacial. Isso não é exploração espacial! Exploração espacial é ir a outros mundos!"
Este desinteresse da NASA em futuros projetos de exploração planetária, e também o nascimento de sua filha Alexandra fizeram com que Carl se concentrasse em temas mais terrestres, como a deterioração do meio ambiente e o cuidado da Terra. Nesse período o belicoso governo do Presidente Reagan se esmerava no projeto "Star Wars" e o perigo de uma guerra nuclear estava mais latente que nunca. Quando Reagan anunciou tal projeto em março de 1983, Sagan sofreu uma peritonite que o manteve em terapia intensiva durante várias semanas. Mas isto não o impediu de, desde a cama do hospital, lançar um comunicado especial contra a "Guerra das Galáxias". Carl Sagan começava sua etapa de ativista.
Nesse mesmo ano, Sagan co-produziu um ensaio no qual sugeria que mesmo uma pequena guerra nuclear poderia desencadear um inverno nuclear. Sua feroz defesa do meio ambiente lhe valeu uma detenção em Ground Zero, Nevada, durante uma manifestação em 1986.
Entre seu ativismo, suas aulas em Cornell e seu cargo de Diretor do Laboratório de Ciências Planetárias, Sagan consegue tempo para escrever sua primeira novela, "Contato", onde narra o suposto primeiro contato com seres inteligentes provenientes de outra civilização. Também comemora o regresso do cometa Halley com seu livro "Cometa", escrito com Ann Druyan.
Em 1991 nasce seu segundo filho com Ann, Samuel (curiosamente, Sagan teve um filho por década... durante as últimas cinco décadas). Em 1992 as conquistas que Carl Sagan acumulou durante tantos anos seriam recompensadas ao ser indicado para formar parte da prestigiada Academia de Ciências. Mas foi sabotado por colegas invejosos e não recebeu a nomeação. Isto foi algo que lhe doeu muito mas no ano seguinte recebeu da mesma Academia a Medalha do Serviço Público.
Durante alguns anos Sagan viveu tranqüilo, desfrutando da tranqüilidade que ele tanto buscou, ao lado de Ann e seus dois pequenos filhos. Mas ao final de 1994, uma mancha escura em seu braço anunciava o princípio do fim. Ante a insistência de sua esposa, Carl foi ao médico e depois de alguns exames de sangue comprovou-se que estava gravemente enfermo. Sofria de uma rara doença do sangue chamada mielodisplasia e a única maneira de poder salvar-se seria mediante um transplante de medula. De outro modo morreria em menos de 6 meses.
O doador deveria ser completamente compatível e ainda assim havia a possibilidade de que o corpo de Sagan rejeitasse a medula. Sua irmã Carise ofereceu-se como doadora e depois do transplante, Carl ainda deveria submeter-se à quimioterapia, exames e consultas. Contudo, tratou de levar uma vida normal e continuou escrevendo livros, como "Pálido Ponto Azul" e "O Mundo Assombrado pelos Demônios", o último que ele viu editar. Durante um tempo pareceu recuperar-se mas em julho de 1996 teve que receber um segundo transplante de medula pois seu corpo não estava respondendo tão bem como se esperava.
Estando ainda hospitalizado, Sagan recebeu a notícia de que um meteorito encontrado na Antártida poderia conter rastros de bactérias fósseis provenientes de Marte. Ainda que um pouco cético, isto pareceu injetar energia em seu debilitado corpo e pela segunda vez, desde a cama de um hospital, fala com os meios de comunicação. Entrevistado por um canal de televisão, declara:
"Se for comprovado que estes microorganismos são realmente de origem biológica, as implicações serão profundas sugerindo que a vida poderia surgir não só em um planeta, mas em incontáveis planetas, eliminando nosso provincianismo e nos dando o sentimento de que ocupamos um lugar no universo e de que não estamos sozinhos".
Sagan nunca pôde recuperar-se do segundo transplante mas ainda assim teve energia para escrever seu último livro, "Bilhões e Bilhões", além de assessorar as primeiras filmagens de sua novela "Contato", dirigida por Robert Zemeckis e protagonizada por Jodie Foster.
Em dezembro de 1996, Carl aceitou fazer algumas leituras públicas na área de São Francisco, mas não pôde finalizar sua programação. De São Francisco foi trasladado imediatamente a Seattle, ao Fred Hutchinson Cancer Research Center onde estava sendo tratado desde o início de sua doença. Foi diagnosticada uma pneumonia adquirida facilmente devido à frágil defesa que tinha seu corpo contra todo tipo de ameaças por bactérias e vírus desde as intensas quimioterapias. Já não havia nada a fazer.
E ali em Seattle, na madrugada de 20 de dezembro de 1996, apagou-se a vela da vida daquele que guiou com entusiasmo e dedicação milhões de pessoas pelo caminho da ciência e do pensamento lógico e racional. Carl Edward Sagan fechou seus olhos para sempre e a humanidade perdeu um grande cientista e divulgador, imortalizado no coração e na memória daqueles para os quais ele significou uma parte muito importante de suas vidas. Meu professor, meu guia, meu exemplo, havia falecido.
Esta biografia foi escrita inteiramente por mim. Tirei muitas informações valiosas do capítulo dedicado ao Dr. Sagan no programa "Biografia", de A&E Television Networks, bem como de várias outras fontes. Entretanto, qualquer fato, circunstância ou data incorreta ou inexata são minha responsabilidade. Igualmente, os comentários tecidos aqui são puramente subjetivos e refletem somente os meus pontos de vista.
As imagens das naves espaciais e dos planetas pertecem ao arquivo da NASA.
Lourdes Villarreal Lujan
Trad.: Luciana Almirall
1. “Cada um de nós é, sob uma perspectiva cósmica, precioso. Se um humano discorda de você, deixe-o viver. Em 100 bilhões de galáxias, você não vai achar outro.”
Em outras palavras, a combinação de letrinhas de DNA que corresponde a cada um de nós só ocorreu uma vez na história da civilização. Não existiram (nem existirão) duas pessoas iguais. Outro cientista midiático, Richard Dawkins, escreveu algo parecido na abertura de Desvendando o Arco-íris (1998): “Nós vamos morrer, e isso faz de nós pessoas de sorte. A maior parte das pessoas nunca vai morrer porque nunca vai nascer. As pessoas que poderiam estar aqui no meu lugar, mas na verdade nunca verão a luz do dia, são muito mais numerosas que os grãos de areia da Arábia. Esses fantasmas não-nascidos incluem poetas maiores que Keats, cientistas maiores que Newton. Nós sabemos disso porque o conjunto de pessoas permitido pelo nosso DNA é muito maior do que o conjunto de pessoas que de fato existem.”
2. “A Terra é um palco muito pequeno em uma vasta arena cósmica. Pense nas incontáveis crueldades infligidas pelos habitantes de um canto deste pixel aos habitantes praticamente indistinguíveis de algum outro canto. O quanto seus desentendimentos são frequentes, o quanto eles desejam matar uns aos outros, o quanto são ferventes seus ódios. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores para que, em glória e triunfo, pudessem se tornar os senhores momentâneos de uma fração deste ponto.”
O parágrafo acima é parte do texto mais famoso de Sagan, Pale Blue Dot – “Pálido Ponto Azul”, em tradução livre. Ele é uma reflexão sobre uma foto da Terra com o mesmo título, tirada pela Voyager I em fevereiro de 1990. Na época, a sonda estava a 40,5 unidades astronômicas (UAs) de nós, isto é: 40,5 vezes mais longe do que a distância entre a Terra e o Sol (que já é grande: 148 milhões de quilômetros). Dessa distância, nosso planeta aparece como um pontinho, do tamanho de um único pixel.
3. “O Universo não parece ser nem benigno nem hostil – apenas indiferente.”
Essa é uma questão que perturba os cosmologistas. Por um lado, o Universo é, em alguma medida, um lugar razoavelmente adequado à nossa existência. Em Uma Breve História do Tempo (hoje, aparentemente, é dia de citar todas as celebridades científicas), Stephen Hawking diz: “é um fato notável que os parâmetros numéricos do Universo pareçam ter sido ajustados cuidadosamente para tornar possível o desenvolvimento da vida.”
Vamos pegar um exemplo bastante preciso, dado pelo escritor Anil Ananthaswamy em um artigo escrito para a PBS: um nêutron (um dos componentes do núcleo do átomo) é 1,0013784187 vezes mais pesado que um próton (o outro componente do núcleo do átomo). Essa diferença sutil entre a massa dos dois determinou, na época do Big Bang, a proporção em que os dois elementos mais leves da tabela periódica, hidrogênio e hélio, seriam formados – 76% e 24%, respectivamente. Se o cosmos tivesse vindo de fábrica com excesso de hélio, as estrelas queimariam seu combustível mais rápido, e talvez não durassem tempo o suficiente para permitir o surgimento de vida nos planetas. Lindo. Então quer dizer que a casa foi arrumada para nós?
Bem, não. O Universo nos tolera, no máximo. A zona habitável – isto é, a distância ideal que um planeta precisa manter de uma estrela qualquer para permitir a existência de água líquida e temperaturas amenas – é uma faixa estreita. Muitas galáxias têm buracos negros extremamente ativos em seus centros, que liberam doses cavalares de radiação, pouquíssimo amigáveis à vida nas redondezas. E a própria Terra, apesar de ser nossa única opção, não é nossa melhor amiga. Nas palavras de Bill Bryson: “um aspecto curioso da nossa existência é provirmos de um planeta exímio em promover a vida, mas ainda mais exímio em extingui-la. A espécie típica na Terra dura apenas uns 4 milhões de anos”. Nós já vivemos 300 mil. E as perspectivas não são boas.
4. “Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar”.
Aparece no livro de ficção científica Contato, de 1985 (que depois viraria filme nas mãos de Robert Zemeckis, o mesmo diretor de De Volta para o Futuro).
5. “Na ciência, acontece muito de alguém dizer: ‘Quer saber? Esse é um argumento muito bom, minha posição está errada.’ E aí essa pessoa realmente muda de ideia e você não ouve ela repetir a visão antiga.”
Isso foi dito em uma conferência em 1987. Talvez Sagan tenha superestimado (ou melhor, romantizado) a capacidade dos cientistas de abandonarem suas posições diante de bons argumentos. Eles são criaturas racionais, é claro, mas também são humanos, e às vezes se apegam tanto a teorias ultrapassadas que o físico alemão Max Plank chegou a afirmar: “a ciência avança um funeral de cada vez”.
Mesmo assim, a ciência, enquanto empreendimento coletivo, é construída em cima da autocrítica e constante revisão de seus princípios. Se os físicos não tivessem tido a prudência de abandonar visões antigas sobre a natureza do Universo após a revolução promovida por Einstein, coisas tão simples quanto o aplicativo de celular Waze não teriam sido possíveis (entenda). Da mesma forma, um biólogo que abraçasse o criacionismo após Darwin não conseguiria compreender como superbactérias se desenvolvem graças ao abuso de antibióticos.
6. “Ausência de evidência não é evidência de ausência.”
Não é porque não há provas de algo que esse algo não é verdade. Mas é bom ir com calma na dose de ETs do History Channel: Sagan também disse que “alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”.
7. “Dada a vastidão do espaço e na imensidão do tempo, é uma alegria poder compartilhar um planeta e uma época com Annie”.
“Annie” é Ann Druyan, esposa de Sagan. De fato: o Universo tem 13,8 bilhões de anos e há grandes chances de que seja infinito. Comemore, então, o fato de que você encontrou pessoas que te amam. Por mais brega que isso soe, você tem sorte. Muita sorte.